Igreja de Nossa Senhora do Desterro e Mosteiro de São Bento

Histórico do patrimônio

O mosteiro de São Bento tem sua história ligada ao processo colonizador da Capitania de São Vicente. A vila de Santos teve junto com a função portuária a de entrada e saída do planalto paulista. Os primeiros povoadores aproveitaram as sesmarias recebidas para lavouras ou criação de gado. Além da organização da vida econômica e política, os portugueses ocuparam-se da religião e fundaram capelas: como a de Santa Catarina, a da Graça e a da Nossa Senhora do Desterro. As ordens religiosas foram atraídas por generosas doações: a Companhia de Jesus e a dos carmelitas no século XVI; a dos franciscanos, a dos beneditinos, no século XVII.

A Ordem de São Bento veio para o Brasil em 1582 e da Bahia expandiu-se para Olinda, Rio de Janeiro, Paraíba, Graça (BA), São Paulo e Parnaíba. O estabelecimento dos beneditinos em Santos foi o oitavo em todo o Brasil e o terceiro da Capitania de São Vicente. Na hierarquia eclesiástica, a Ordem de São Bento constituía a Província do Brasil, desde 1596, sendo o mosteiro de Salvador a cabeça da Ordem. A Província do Brasil era subordinada à Congregação de São Bento de Portugal. O lema da Ordem Beneditina é “ora et labora” (reza e trabalha).

Em terras herdadas do pai – o ferreiro-mestre Bartolomeu, que viera com Martim Afonso -, Bartolomeu Fernandes Mourão e sua mulher fundaram a capela de Nossa Senhora do Desterro, que já existia antes de 1631 mas que, oficialmente, é de 1644. A viúva de Bartolomeu Mourão, Isabel Barbosa, e o filho Antônio Fernandes Mourão, casado com Maria Resedá, doaram, em 1650, à Ordem de São Bento, as terras com a ermida supracitada, alfaias, 2 casas, 12 vacas, 1 touro, 1 pastor índio e outras vantagens. Em troca, os beneditinos rezariam 3 missas por mês pela alma dos doadores e descendentes, que poderiam ser enterrados na capela. A Câmara Municipal de Santos concedeu a licença para a fundação do mosteiro entre 1649 e 1650. Os primeiros fundadores do mosteiro foram os padres Plácido da Cruz – primeiro Presidente – e frei Basílio da Assunção – Pregador.

Não se sabe com certeza quem fez o projeto do mosteiro de Santos, mas a planta tem grande semelhança com as plantas dos mosteiros da Bahia, em especial com o da Graça. O historiador D. Clemente M. da Silva-Nigra, OSB, atribui o projeto a frei Gregório de Magalhães, de 1649.

O Mosteiro de São Bento teve suas construções iniciadas no início de 1650, anexo à ermida de Nossa Senhora do Desterro, que ainda existe no térreo do prédio atual. O Mosteiro serviu também de hospedaria para os monges em seus deslocamentos entre o litoral e o planalto, que majoritariamente desciam no porto, repousavam no Mosteiro para posteriormente partirem rumo ao planalto.

Em 1725, o mosteiro foi reconstruído em pedra e cal, utilizando-se técnica construtiva típica do litoral em alvenaria ciclópica. Na verdade, o mosteiro sempre sofreu alterações e reparos durante sua longa utilização, por causa das chuvas, da umidade constante e da localização na subida do morro. Em 1756, a Junta Geral da Ordem em Portugal louvava o zelo do Presidente “que procurou recuperar e aumentar o dito mosteiro”, mas, em 1788, o edifício estava “… no mais deplorável estado que se pode considerar ameaçado tudo à última ruína”. Em 1795, “reedificou-se de novo a igreja” que tomou a feição que possui hoje. As partes de madeira foram substituídas por pedras, colocaram-se balaustradas e grades de estilo oriental e pintou-se “belíssimo forro” que, infelizmente, depois se perdeu.

Nessa época, morava já há longos anos no mosteiro frei Gaspar da Madre de Deus (1715-1800), ex-abade provincial da Ordem, o mais notável monge da Ordem, nascido em São Vicente, autor das Memórias para a História da Capitania de S. Vicente, publicadas em Lisboa, em 1797. A cela onde ele morou 30 anos é hoje a Sala Beneditina.

O mosteiro tinha função funerária, principalmente para os monges. A lápide mais antiga é de 1696 e a mais recente é de 1815. A mais notável é a de frei Gaspar que, depois de ter sido jogada fora no século XIX, foi achada por Antônio Militão e pode ser vista agora na igreja, onde foi recolocada por Benedicto Calixto.

No Brasil, a devoção a São Bento foi popular, sendo considerado pelo povo um santo protetor contra o mal: picadas de cobras, ladrões e feitiçaria. Contra o demônio, os exorcistas recorrem às fórmulas beneditinas e, entre os fiéis, espalhou-se o uso da medalha protetora de São Bento. O estudo das devoções é importante para compreendermos os motivos que levavam a população a fazer doações à instituição religiosa, como a feita por Bartolomeu e sua esposa.

As reformas continuaram procurando-se sempre substituir a madeira por pedra. Em 1860, as chuvas constantes que entravam nos forros obrigaram a novas e prolongadas obras, onde foi usado o cimento.

Entre as muitas visitas notáveis, o mosteiro recebeu, em 1825, a dos membros da expedição von Langsdorff que fez a façanha de percorrer o Brasil desde o Rio de Janeiro até Belém: passaram por Santos, o interior de São Paulo, pelo Pantanal, desceram o rio Madeira, o Amazonas, alcançaram Belém, voltando, pelo litoral, ao Rio de Janeiro. A extraordinária viagem levou três anos e três artistas dela participaram: Hércules Florence, J. M. Rugendas e Adriano Taunay. Este último (1803-1828), filho e neto de artistas, no início da expedição, assinou bonita aquarela do mosteiro e igreja de São Bento, datada de “Santos, setembro de 1825”, reproduzida no livro O Brasil de hoje no espelho do século XIX, pp 66-67. Em 1846, D. Pedro II visitou o Mosteiro de São Bento e bebeu água na antiga fonte do Desterro, no sopé do morro, onde restaram inscrições que lembram o fato.

Além de servir para a vida prescrita na Regra Beneditina, o mosteiro era também um hospício, isto é, uma hospedaria para religiosos. Os monges, além da vida contemplativa, cuidavam da capela do Monte Serrat que lhes fora doada por D. Francisco de Sousa, seu fundador, e da qual tomaram posse em 1652. A atividade religiosa tinha aspectos culturais, sociais e lúdicos. Missas, sermões, procissões, festas de santos padroeiros, sempre com música, onde os santos exerciam grande importância.

Desde o século XVIII, na época de Pombal, a situação ficou difícil para as Ordens religiosas, que foram submetidas a apertados cercos por parte do governo por causa da tendência laica que tomou um rumo anticlerical. As doações diminuem, torna-se difícil manter o mesmo número de monges. Após a Independência, a Santa Sé expediu uma bula criando, em 1827, a Congregação Beneditina Brasileira. Mas, em 1855, um Aviso Imperial proibiu a entrada de noviços nas Ordens religiosas. Isso quase liquidou o mosteiro que, em 1885, não funcionava, já entrado em decadência. O prédio serviu várias vezes de enfermaria de 1873 a 1874, e novamente em 1889, quando houve a grande epidemia de febre-amarela.

Em 1968, a Ordem de S. Bento transferiu-se para vinhedo e fez entrega de todos os bens: do mosteiro, de alfaias e imagens à Cúria, para a instalação do Museu de Arte Sacra de Santos. O Museu foi criado por decreto episcopal de 1981, em 11 de julho, dia de São Bento. Por iniciativa de D. David Picão, bispo diocesano, foram instaladas duas comissões, as quais, sucessivamente, desde 1968, procederam levantamentos do acervo da Diocese de Santos e de outras instituições.

O edifício do antigo mosteiro e a igreja de N. Senhora do Desterro foram restaurados pelo SPHAN-Pró Memória e depois pelo Condephaat – em que levaram nove anos -, sem fazer, porém, a restauração dos três altares da igreja. Finalmente, após muitos esforços, foi o Museu inaugurado, festivamente, em 12 de dezembro de 1981. Devido aos conhecidos problemas provocados por chuvas torrenciais que castigam o conjunto arquitetônico, situado numa encosta de morro, os edifícios foram, de novo, retelhados, de acordo com as normas técnicas de restauro, para a proteção dos prédios e do valioso acervo museológico.

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Descrição física e estado de preservação do bem

O prédio tem suas edificações construídas em formato retangular, e a base de argamassa de cal de sambaqui, suas paredes de alvenaria, possuem cerca de 90cm de largura. O Mosteiro ainda conta com várias salas, quartos, sacrários e oratórios, uma biblioteca e estacionamento próprio. Por sua longa e variada utilização, bem como pela sua localização e clima, o mosteiro sofreu inúmeras modificações, sempre preservando o cal e a pedra como material e utilizando a técnica típica construtiva da região litorânea em muros e arcos feitos de alvenaria ciclópica.

A Igreja de Nossa Senhora do Desterro apresenta fachada simples com três arcos – característicos da arquitetura beneditina – e três janelas de vergas retas, arrematadas por um frontão triangular retilíneo, tendo à frente a galeria com três arcos. A torre erguida sobre o terceiro arco está na direção do corredor direito do claustro. Na frente, há um terraplano grande que servia de adro e que se ligava com a várzea do córrego hoje canalizado, através de uma calçada. Por um desenho do mosteiro, feito em 1826, pelo artista inglês William John Burchell, vê-se que a torre sineira, com as duas janelas românticas, tinha o coroamento em forma de pirâmide, o que dava um toque de leveza ao aspecto maciço do conjunto. Nos fundos da igreja ficavam a sacristia, a cozinha e o alojamento dos escravos.

Anexo à igreja situa-se o mosteiro, que consta de edificações regulares, tendo ao centro o claustro, pátio central que serve admiravelmente como um centro distribuidor entre as diversas áreas, sendo também de circulação e lazer. Até o século XX o claustro era limitado ao fundo por um grande penedo (rochedo).

A galeria, com três arcos, dá acesso à igreja de nave única, que é separada do altar-mor, no alto, por um arco cruzeiro, e em baixo por uma mesa de comunhão delicadamente trabalhada, com balaústres de madeira, lembrando influência chinesa, os quais se repetem no porta-corpos do coro, e nas quatro tribunas da nave. Dois belos púlpitos, de base de pedra, completam a harmonia barroca da igreja. O forro é côncavo, de tábuas corridas lisas, de cor cinza. Três altares completam o sentido religioso: o altar-mor e dois altares laterais.

Junto ao altar-mor, datado de 1817, estão as lápides de frei Miguel de Santa Catarina Mota, falecido em 1803, e a de frei Gaspar da Madre de Deus. Na parede da nave, à direita, está uma grande placa, em bronze e mármore, desenhada por Benedicto Calixto, por encomenda da Câmara Municipal.

No interior da igreja e do mosteiro encontram-se diversos altares. Possui dois altares laterais, que primitivamente eram mais baixos; porém, por ocasião da grande reforma da igreja no final do século XVIII, foram elevados e colocados em simetria.

Possui também um altar dedicado a Santa Gertrudes Magna (1256-1334), o que é evidência da devoção a essa monja beneditina, autora de obra mística, na cidade de Santos. O retábulo é em estilo barroco, da segunda fase, portanto fica mais próximo do modelo português. Trabalhado em madeira escura, com frisos de ouro, apresenta elementos decorativos, como: anjinhos, flores, volutas, colunas torsas e cortinados. No alto, uma cartela, também barroca, onde se lê: “Santa Gertrudes”, arremata o conjunto, finamente esculpido. O altar, propriamente dito, é sustentado por duas elegantes colunas torsas e sob ele encontra-se uma impressionante escultura, em madeira, do Cristo Morto.

Outro altar é o de devoção a Nossa Senhora do Pilar, originária de Saragoça, foi introduzida no mosteiro provavelmente por ação de frei Gaspar pois, no inventário de sua mãe, D. Ana de Siqueira e Mendonça, consta uma imagem dessa invocação espanhola. O altar é barroco, da fase final chamada rococó, de fatura bem diferente dos outros altares. Os pormenores barrocos estão presentes: volutas, concheados, pingentes, cartela, mas tudo bem comportado, numa emoção bem contida. Embaixo do retábulo há um magnífico painel em pinho de excelente qualidade, representando a visão de Santo Antônio de Pádua, trabalho que revela competência técnica e senso estético.

Além disso, o Museu instalado no prédio possui variado acervo de peças sacras: imagens de São Bento, Santo Amaro, N. Senhora da Conceição, do séc. XVI; Santa Catarina de Alexandria, da fundação de Santos; Santa Gertrudes Magna, Cristo Morto, obras de Benedicto Calixto; pinturas de Guiomar Fagundes; quadros a óleo do séc. XVIII, de Silva Manso; prataria; arte religiosa popular; como as “paulistinhas”, objetos que pertenciam aos bispos, crucifixos, o primeiro sacrário da Catedral, entre muitas outras peças de interesse para a arte e para a história. Além do acervo litúrgico e religioso, apresenta Sala de Máscaras; Sala de Arqueologtia; exposição de Aeromodelismo. Possui monitoria especializada; atendimento a pesquisadores; Biblioteca “Frei Gaspar”; área de lazer; faz promoções culturais e exposições temporárias. Abriga o Instituto de Pesquisa em Arqueologia (Iparq).

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Outras Informações

 

INFORMAÇÕES DE TOMBO

INSTÂNCIAS E NÚMERO:  IPHAN, Proc. 0348-T, Livro das Belas Artes: inscrição 314, 18/03/1948. CONDEPHAAT, Proc. 00357/73, Livro do Tombo Histórico: inscrição 30, p. 3, 05/04/1971. CONDEPASA, Proc. 16731, Livro Tombo 01: inscrição 5, fl. 2, Resolução SC 01/90.

 

O antigo mosteiro e a Igreja de N. Senhora do Desterro, como Museu de Arte Sacra de Santos, estão abertos ao público para visitas de terça a domingo, das 10h às 17h. Para visitas monitoradas, agendar pelo telefone (13) 3219-1111. O ingresso custa R$ 5,00 (inteira); meia entrada para usuários do bonde turístico, idosos e menores de 5 anos.

Localiza-se na Rua Santa Joana D’Arc , 795 – Morro do São Bento, em Santos.

São realizadas, também, atividades litúrgicas. Aos domingos celebra-se a missa às 11h30, além de haver batizados, bênção de bodas e retiros.

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Referências

ANDRADE, Mário de. Padre Jesuíno do Monte Carmelo, São Paulo, Martins, 1965, ilust.

ANDRADE, Wilma Therezinha Fernandes de. A Vila e a Fé: Santos e a Ordem de S. Bento do século XVI ao XVIII. Dissertação de mestrado apresentada à área de História Social da F.F.L.C.H, da USP, 1980, Mimeogr., inédita, ilust.

O Mosteiro de S. Bento em Santos: Algumas Considerações. In: Leopoldianum, Santos, S.V.S.L., v. 8(22); 5-27; out. 1981, ilust.

Uma igreja barroca e três altares: estado atual das pesquisas sobre a igreja de N. Senhora do Desterro, em Santos. In: Leopoldianum, Santos, S.V.S.L., v. 14 (40), 33-48; ago. 1987, ilust.

COSTA, Maria de Fátima G. O Brasil de hoje no espelho do séc. XIX: artistas alemães e brasileiros refazem a expedição Langsdorff. Maria de Fátima G.; Pablo Diener; Dieter Strauss. São Paulo: Estação Liberdade, 1995. Vários colaboradores, ilust.

ENDRES, José Lohr, OSB. A Ordem de S. Bento no Brasil quando Província.1582-1827. Salvador: Beneditina, 1980.

Catálogo dos bispos gerais, províncias, abades e mais cargos da Ordem de S. Bento no Brasil – 1582-1975, Salvador, Beneditina, 1976, ilust.

MADRE DE DEUS, Gaspar da (fr. ), OSB. Memórias para a história da capitania de São Vicente. Lisboa: Academia Real de Ciências, 1797.

SILVA-NIGRA, Clemente Ma. da OSB. Construtores e artistas do mosteiro de S. Bento do Rio de Janeiro. Salvador: Beneditina, 1950, ilust.

Portal online Turismo de Santos

Disponível em <https://turismosantos.com.br/ptb/guia-de-santos/locais/ir/atracoes-em-santos/centro-historico/museu-de-arte-sacra-de-santos>, acesso em 01/06/2016.

Portal Novo Milênio

Disponível em <http://www.novomilenio.inf.br/santos/fotos018.htm> e em <http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0188c.htm>, acesso em 01/06/2016.

Portal da Universidade Católica de Santos

Disponível em <http://www.unisantos.br/portal/extensao/projeto-cultural/museu-de-arte-sacra/>, acesso em 01/06/2016.

Portal do Museu de Arte Sacra de Santos

Disponível em <http://mass.org.br/>, acesso em 01/06/2016.

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Como Chegar

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